Eu a vejo ali, perdida. Ela não sabe pra onde ir, o que fazer, nada, eu me pergunto se ela se lembra do próprio nome e se ainda respira. É apenas uma garota, quase mulher, sentada sozinha em uma mesa do outro lado do bar, os olhos dela ainda estão mareados, e o lápis borrado, não sei o que aconteceu, eu cheguei aqui a pouco e fiquei estranhamente apegado ao sofrimento dela, com uma vontade real de ir até lá, levar uma água e oferecer ajuda mas desisti quando vi ela gritar com o garçom que só queria sua bebida, que não precisava da compaixão dela, ela estava bem, gritava e baixava a cabeça, voltando as lágrimas e o lápis seguia, criando duas linhas negras no rosto.
Corria o dedo na borda do copo de uísque, criando hipoteses para o sofrimento público da garota-mulher, acho que é um problema de quem gosta das letras, de quem gosta de escrever coisas assim, e aquela garota, aquela mulher era uma folha em branco num momento de inspiração. Ela, o ambiente, as circustâncias, eram inspiradoras, excitantes.
Ele a deixou? Não, muito óbvio, deixaria toda a história sem graça, banal, naquele momento milhões de ideias, até algum homicídio podia me passar pela cabeça, mas não, ela a deixou. E então senti aquele baque, aquela coisa que te faz acreditar no que você cria - sempre ouvi dizer que uma história, ou mentira se torna realmente boa quando até você acredita nela. E eu acreditei, senti que estava certo. - Ela a deixou, e ela não aguentou. Ela desmoronaria, até o fim, fim que agora estava realmente próximo.
Me levantei, fui até o balcão, peguei duas garrafas d'agua, parei ao lado dela, ela me olhou e por um instante li nos olhos dela que estava certo, ela fora deixada. E no instante seguinte ela se preparava entediada para me tirar dali, no grito, mesmo que sem forças. Eu a olhei com calma, eu exalava calma de cada parte do meu corpo, e ela respirou fundo. Puxei a cadeira de frente pra ela, peguei o copo que estava na frente dela, o afastei e em seu lugar coloquei a garrafa d'agua. Ela me olhou, deu um sorriso debochado, indo e vindo, entre mim e a água, eu a empurrei para mais perto dela, ela recuou, tirando os braços da mesa, sentando-se. Peguei a garrafa, destampei e a coloquei no mesmo lugar, e a olhei intenso. Ela revirou os olhos e agarrou a garrafa. Bebeu metade, com um gole, eu abri a minha, sorri vitorioso para ela e dei um gole, menos generoso que o dela. Ela me olhou com um olhar mais feliz, agradecido de alguma forma.
- Paola, é o nome dela.
- Não precisamos falar disso agora, apenas beba, melhore. Você precisa parar de gritar com o garçom, ele só quis ser gentil. - eu ri.
- Não foi por mal, não é pessoal.
Eu podia sentir que a tristeza a dominava por dentro por mais que ela tentasse inibir isso, vinha, naturalmente - ou talvez, eu com essa ligação que descobri com uma estranha num bar me mostrasse.- ela continuava com os goles, longos, passei minha garrafa para ela, devia estar bebendo há horas, muitas horas.
- Não queria que fosse assim, não mesmo. - Ela passou a mão no rosto, e a marca do lápis se espalhou tornando-se mais fraca. - Dá pra notar assim?
- Na verdade não, eu fiquei analisando e buscando a causa, pensei se ele havia te deixado, mas era óbvio demais e você, muito agressiva.
- É, acho que sou agressiva mesmo, acho que não sei me controlar, pra nada. - os olhos voltaram a se inundar.
- Brigaram? Digo, com tapas?
- Muitos.
- É, nisso eu não pensei.
- Você não podia ser tão bom, se tivesse pensado, eu sairia correndo. - ela riu.
- O que causou tudo isso?
- Ciúme.
- O que ela fez pra te deixar irritada?
- É, você é realmente bom. - ela riu novamente e eu ri junto, concordando e sentindo meu ego acordar.
- Marcelo. - estendi a mão na direção dela.
- Júlia. - ela foi receptiva ao gesto, estavamos melhorando.
- Já comeu hoje?
- Não. - ela tentou apagar a marca do lápis, e ela só ficava mais fraca. - Eu não devia ter feito aquilo.
- Nunca se arrependa, se você fez, tinha motivos. Pense nisso, sempre.
- Obrigado.
- Vem, vamos comer alguma coisa.
- Não, obrigado, cuidar de uma garota abandonada e bêbada já é demais para um estranho gentil.
- Não sou mais estranho. - ri.
- Tudo bem, vamos. - Ela se levantou e pegou a bolsa e um casaco exagerado para o tempo quente da manhã. - Faz muito tempo que um homem não é bom comigo. Bom, faz muito tempo. - ela riu e eu apenas sorri, não sabia tanto dela para entrar nas piadas de sua mente.
E foi assim que sai do bar naquele dia, no horário de almoço, em pleno domingo. Me sentindo estranhamente bem com uma estranha abandonada e bêbada ao meu lado. Me achando psicólogo, amigo, amante, inteligente, bondoso, cabeça. Foi assim, tirando da ressaca, da fossa, e de tanta tristeza que eu conheci a mulher que se deita todo dia comigo as onze, mãe dos meus filhos, amor da minha vida, a mulher que eu queria, esperava, que se encaixa em mim. Dei a ela um pouco de atenção, duas garrafas d'agua, alguns conselhos, levei pra almoçar, cuidei dela e de seu coração partido, e logo descobri, que aquele bar na manhã de domingo havia sido palco não só da decepção amorosa dela, mas da minha descoberta de um grande amor. E é aqui, deitado ao lado dela, enquanto ela lê uma revista, que seguro sobre as pernas o lap top e conto para o mundo a super romântica história de como conquistei a garota abandonada por outra garota. Dei aquela estranha bêbada e abandonada, mais do que as garrafas d'agua e alguma compainha, dei a ela: filhos, casa, aliança e meu sobrenome.
Parabéns pelo seu talento!
ResponderExcluirFicou muito bom, pelo menos na minha simples concepção.
beijos cunhada
Bruno
muito bom *-*
ResponderExcluiradorei ;*
beijos ;**
Putz tem pessoas que fazem blog para desabafar.. outras porque nao tem nada melhor para fazer... ou ate mesmo por curiosidade!
ResponderExcluirMas você tem o dom de escrever parabens se foi você que fez esse texto você escreve super bem sabe usar as palavras
Só me resta seguir..... ;)
eu sinto que as vezes meu coração para no tempo de tanta saudades "/
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