Só queria, sentir, de novo.

Existe um monte de coisas, das quais eu nunca vou saber.
E eu sei disso, é engraçado, eu sei. E eu sei que nunca saberei. Sei que não viverei tempo o bastante para isso, não terei tempo.
Ok. eu não tive tempo.
Sim, já não estou entre vocês, mas, faz tão pouco tempo que ainda me sinto aqui. Também é engraçado, essa história de sentir, porque agora eu não sinto. Então não posso te dizer o que sinto ou senti quando morri, porque isso simplesmente não existe.
Eu morri jovem, e jovens não acham que vão morrer. Não, todo mundo sabe que um dia vai morrer, mas espera casar, terminar o colégio, a faculdade, ter filhos, muita coisa antes disso. E nem sempre tudo isso acontece, nem todos tem tempo. Eu não tive tempo. A minha última situação com morte, antes da minha, foi a de um amigo, um ex-namorado na verdade, que morreu em um acidente de carro. Isso abalou a todos os amigos, no colégio, eram apenas lágrimas. E o velório dele, foi muito parecido com o meu, exceto porque no dele eu chorava com as minhas amigas, e no meu, eu as via chorando, e queria consolá-las, ou mesmo chorar com ela, e parecia haver um vidro que nos separava.
É bem assim, como se você estivesse olhando uma vitrine, sem dinheiro para comprar a roupa exposta ali. É exatamente, " ver a vida passar de uma janela", pra quem gosta de saber de tudo, a morte é bem assim. Aqui, escorada, eu vejo tudo, todos, e alguns, poucos, raros, sentem a minha presença, e esses momentos são quando você esta na janela e um estranho que passa na rua te olha, e você sente que não devia estar ali. Também acho que não devia estar aqui. Mas sempre fui materialista demais pra me desapegar facilmente, então fico vagando. E querendo sentir. Era tudo que eu queria, sentir novamente. Qualquer coisa, alguma sensação, algum sentimento. Seria mágico.
Tinha tudo, e perdi. Velha história, capaz de entediar. Mas você sempre quer, aquilo que não tem. Eu agora posso estar em qualquer lugar sem ser vista, não tenho mais ninguém, nada que me perturbe, é claro que quando eu partir, não posso mais voltar, mas enquanto eu não for, eu tenho todo o mundo para 'espionar', e não é bem o que eu quero.
Eu queria poder sentir os braços dele a minha volta novamente, como na última dança, nos meus últimos momentos, na colina perto da casa de campo dos meus pais. Queria ser inundada por aquela alegria que sentia ao ouvir o riso dele, o amor que senti até os ossos quando olhei para ele e o vi, deslumbrante de terno, e apaixonado ao me ver linda no vestido longo, leve, lilás, os cabelos soltos para dançar com o vento. Queria sentir o vento nos cabelos enquanto meus lábios tocavam intensamente os dele, queria sentir novamente.
Foi um fim de semana incrível. Meus pais, deixando que ele fosse conosco, meu irmão e ele, tão amigos, me senti trocada. Nossa casa de campo é linda, e fria, clássica e elegante. Meu pai que pouco podia estar presente, adorava ir pra lá, e minha mãe ficava extremamente feliz, porque casa de campo significava fim de semana sem ele no trabalho. E nesse fim de semana, meus pais deram uma festa, eu não o faria colocar terno e desceria do cabide um vestido longo apenas para bailarmos na colina. A casa estava toda enfeitada, linda, tecidos brancos, flores em todos os cantos. Só senti saudade das minhas amigas ali. Se eu pudesse sentir, teria saudade delas aqui também. No meu último dia com elas, no velório, enquanto as assistia da minha 'vitrine', eu vi nelas, as lágrimas mais sinceras. Não que todos os outros estivessem felizes em me ver partir, é que elas aceitavam, elas sabiam que aquilo era um adeus sem relutâncias, e em suas lágrimas, deram a mim qualquer liberdade que eu precisasse para ir. Eu nunca deixei ninguém. 
Em toda a minha vida, nunca deixei ninguém, sempre fui deixada. E com o tempo, me chateava de ser largada, de ver algum amor acabar, de sentir que não conseguia mais sustentar uma distância. Doía. Imensamente, mas nem por isso eu parei de tentar, de aceitar, de amar. De sentir. E queria tanto sentir novamente. Eu acho que a última coisa que senti, foi a dor. A dor de deixar, todo mundo, de uma vez só. De deixar minhas amigas, de deixar minha família, de deixar qualquer pessoa que se importava comigo. Até mesmo o inspetor do corredor do colégio, que vi chorando no banheiro, de alguma maneira, aqui, onde não sinto, pude ter essa dor. 
Fiz promessas, e não pude cumprir. Eu disse a elas que ficaria do lado delas para sempre, que nossas filhas seriam amigas, disse a ele que seria sempre a melhor amiga dele, independente do que acontecesse, prometi aos meus pais um futuro, uma faculdade, um genro e netos. E parti antes de tudo isso. Prometi que ficaria aqui para sempre. E agora, tenho que partir. Deixá-los de verdade, mesmo que eles não me vejam, não me sintam, não saibam. Eu sei, mesmo sem sentir. E de algum jeito, vai doer.
Não doer como doeu quando eu morri, mas como quando eu rolei da escada e quebrei o braço. Não, não dor física, mas no rolar da escada, rasguei um vestido lindo, caro e raro da minha mãe que eu usava, fingindo ser ela, do topo dos meus quatro anos. Um tropeço e vi, nos olhos dela, uma dor que era minha culpa e eu não podia remover, desfazer, mudar de qualquer maneira. Não doia em mim, mas era uma dor minha, porque era minha culpa. E deixá-los, era culpa minha.
Fui eu, quem disse a ele para ir pegar uma bebida na casa, e sorri quando ele olhou para trás, e eu estava girando o vestido, contente. Vi ele se afastar, todos na casa, a colina vazia, e aquele precípio disposto a minha frente. Eu quis sentir como era voar, eu senti como é voar. Eu que só pensei em mim, e em conservar toda minha felicidade levando a deles comigo. Eu fui, simplesmente fui. Respirei fundo, encarei o horizonte, belo, o mais perfeito por-do-sol da minha vida, sorri, intensamente. Deixei que minha felicidade inundasse cada ponto do meu corpo, cada canto, cada beira, cada quina, de todo jeito, todos os modos. Sorri de corpo inteiro, e voei.
E tudo o que eu queria, era sentir de novo.

Um comentário:

  1. de novo neah dona jeh... rs... escreve mt.. mt bem mesmo... ta ate virando chico xavier agora... rs.. to brinkando... mas eh serio.. mt legal.. rs... esse foi um suicidio mt incomum.. rs... to feliz.. ae eu kero morrer... rs... antes assim do que morrer triste neah... levar soh coisas boas eh bem melhor.... do que levar consigo lembrancas ruins... que te xateavam... se for pra eu suicidar tb kero assim... rs...
    parabens d novo....
    como sempre.... escreveu muuuito bem.. rs...
    bjaaaaao ae

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