Parte 1



Certas coisas acontecem, e nem Deus sabe bem o porquê. Mas naquele dia saí de casa pelo mesmo motivo que saía há quase três meses, com muita dificuldade, minha caminhada se tornou habitual e por mais inacreditável que seja eu realmente gostava.
Saía de casa por volta das 17h, o fim de tarde era bastante agitado naquele lado da cidade, mas nada que diminuísse a beleza do por do sol a beira do mar. Eu seguia caminhando entre as pessoas calmamente saindo da zona mais comercial, seguia pelo parque até chegar à parte mais antiga do bairro, a mais antiga da cidade, a zona portuária que atualmente estava quase abandonado por causa do novo porto.  A luz ali já estava em seu tom laranja, e o sol era uma enorme bola avermelhada no céu, ele parecia se colocar bem rapidamente e com ele, a luz laranja ia sumindo até que tudo ficasse escuro a não ser pelas luzes amarelas dos postes colocados de forma assimétrica, ladeando a passarela. Nunca ficava muito tempo ali, era um local deserto, mas eu precisava pensar escolher, decidir.
Parei a caminhada, me encostei na velha ponte de madeira que não era assim tão velha e já não era mais só de madeira, mas que ainda podia ser sacudida pelo mar em dias de fúria. Tentei organizar meus pensamentos, manter minhas ideias sobre controle. Meu chefe me fizera uma proposta naquela tarde, e eu não sabia muito bem o que fazer.
Tinha saído de casa há um ano, com minha independência financeira decidi seguir minha vida e tomar conta dela eu mesma, só que agora toda essa minha rebeldia era mínima. No começo foi bem difícil, eu ainda estava me acostumando ao emprego e a prática de tudo aquilo que havia visto na faculdade, mas estava indo bem, me destacando várias vezes só que em casa eu não estava tão bem assim. Não cozinhava bem, tinha preguiça de arrumar qualquer coisa e por um tempo morei em verdadeira anarquia, até encarar isso e colocar tudo em ordem, o arrependimento passou e hoje vejo que foi uma boa escolha, nada me fez crescer tanto em tão pouco tempo. A ideia de agora, com tão pouco tempo nessa vida profissional me tornar editora, tomar frente em um trabalho dessa magnitude, cuidar para que tudo que alguém escrever se torne um sucesso e chegue ao resto do mundo me parece demais.
Aos 16 anos, já estava preocupada com o que fazer uma carreira para seguir e foi aí que conheci várias, e encontrei uma que me deixaria próxima ao que sempre amei – livros.
Não, não tenho, nunca tive o menor dom para escrever, e descobri que eu não precisava criar histórias para participar da criação do livro. Formei-me em Letras e cheguei bem rápido a esse convite para editar todo um livro. Para quem antes dava sua opinião em manuscritos e nada mais, cresci tanto que não acreditava.
Editora!
Sorri para o mar que estava calmo e me tranquilizava também, voltando a mim, com a cabeça mais organizada me lembrei de onde estava, e senti medo ao olhar ao redor: as luzes amarelas dos postes tremulavam, e não havia ninguém além de mim. Pensei em correr, mas tive medo de chamar a atenção de alguém que pudesse estar por ali, talvez entre alguns barcos escorados ou entre os prédios. Respirei fundo e comecei a caminhar de volta, ao chegar ao fim da passarela, o vi pela primeira vez. Ele estava sentado em um banco de pedra na rua que dava acesso a passarela e que mais a frente também levava a saída para minha casa.

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